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Crédito da foto: Aline Leão |
Me lembro claramente de uma criança de pouco mais de 1 ano caminhando com sua roupa do uniforme, pela 1ª escola em que trabalhei como professora. Olhava aquele “toco”, com a calça azul com a barra dobrada e aquela camiseta branca que ia quase até o joelho.
Ela evidentemente mal tinha aprendido andar
e perambulava cambaleante por sua escola. Olhava para ele e praguejava: que
raios de mãe deixa essa criança o dia inteiro na escola? Para quê ter filhos se
é para terceirizar os cuidados? Senão é com o propósito de criar?
Claramente também, nem é preciso dizer,
naquela época eu não era mãe, estava longe de ser, e tão longe também estava
das causas femininas, dos desafios que é ser mulher nos dias atuais. Me
indignava e me achava porta-voz e estandarte da proteção da infância, que não
importava o contexto, era desumano com a criança, com qualquer uma, entrar na
escola às 7h e sair 12h depois. Ela precisa de casa, ela quer casa, quer colo,
quer ócio, quer cheiro de casa.
Não sei se a maternidade (que é uma tremenda
luta política diária), ou uma prática reflexiva que não se limita ao aspecto
puramente pedagógico da educação (outra luta política, sobretudo,
atualmente...), mas pude problematizar essa forma de enxergar a educação
integral como um abandono parental.
A escola, como um equipamento social,
reflete a própria sociedade, seus valores, suas formas de funcionamento. O
próprio currículo reflete aquilo que socialmente é valorizado como saber - de
tudo o que a humanidade construiu enquanto cultura e saber, o que é que cabe à
escola ensinar? Essa não é uma decisão que ocorre isoladamente dentro de cada
comunidade escolar, mas são conteúdos socialmente (fora da escola) definidos.
Nesse sentido, a estrutura e função social da escola também estão subordinados
a essa lógica.
Se observamos os diferentes papéis sociais
desempenhados pela escola ao longo de sua história, observamos diferentes
formatos, que se relacionam diretamente às demandas e aos valores de cada
época, de cada cultura. Mesmo atualmente, as escolas divergem em função da
comunidade onde está inserida, tanto do ponto de vista regional, quanto de
acesso aos bens de consumo. Essa diferença fica mais marcante observando
diferentes países e tempos históricos.
Em nossa realidade, os diferentes formatos
escolares sempre estiveram estreitamente ligados a inserção da mulher no
mercado trabalho e, se atualmente, temos feito conquistas importantes rumo
(embora ainda distantes) a equiparação de oportunidades de emprego, isso tem
acarretado em profundas mudanças dentro das famílias e nas organizações
sociais, a se destacar, a escola.
Se antes a figura da mãe estava em casa para
cuidar de todas as demandas relacionadas à vida escolar do filho, hoje tem de
conciliar isso à jornada de trabalho e à vida doméstica. Não é de hoje que
observamos quão difícil tem sido para as famílias organizarem-se em relação aos
horários, lições de casa, solicitações diversas da escola, como reuniões, envio
de materiais específicos, cumprimento de regras entre outros. E cada vez mais as
famílias têm buscado ajudas externas para lidarem com esta demanda ou então
vemos as escolas criando estruturas diversas para atender a demanda que
tradicionalmente criam ou buscando atender a necessidade familiar em relação ao
tempo de permanência da criança na escola, seguindo a mesma rigidez e formato
tanto no turno como no contra turno.
Isso, de forma alguma, quer dizer que, do
ponto de vista da família, achem mais ou menos importante a educação escolar,
apenas que têm sido difícil lidar ou não sabem lidar com ela, nos contextos
sociais atuais - o que pode sinalizar um descompasso entre a formatação escolar
e a social. Estaria, então, a escola buscando outra identidade que não a de
refletir estruturas e valores da sociedade na qual está inserida? Seria uma
resistência? Uma etapa de reflexão, ajustes e adaptação? Que alternativas a
sociedade terá se a escola se configurar como uma resistência a esse novo
modelo de organização?
De imediato, vejo que as dificuldades
impostas recaem mais fortemente sobre a mulher, tornando mais pesada a sua
decisão (fruto de vontade ou necessidade) de estar no mercado de trabalho – e
como mãe, sei o quanto pode pesar um filho em todas as tomadas de decisão. Numa
sociedade estruturalmente machista, onde os homens desde pequenos são
incentivados e direcionados a carreiras com maior reconhecimento social (e,
consequentemente, maior rendimento financeiro), em geral, quem precisa abrir
mão da vida profissional é a mulher – pois o impacto na vida financeira
familiar é menor com a saída da
mulher do trabalho do que com a saída do homem.
Portanto, penso que essa resistência da
escola, em vistas a defesa da infância, pode de modo colateral, ter uma
implicação direta na manutenção de uma estrutura social em que a mulher fica em
casa cuidando das crias enquanto o homem vai caçar e trazer o sustento.
No entanto, por mais que algumas escolas
resistam e por um tempo dificulte o cenário para as mulheres, não acredito, que
consigam o impacto necessário para frear esse movimento de emancipação feminina
– tão pouco acredito que seja o objetivo da escola isso, mas sim consequência de
certas posturas adotadas.
De outro lado, me pergunto: é a criança que
deve arcar o ônus e ser privada da convivência familiar? Ter uma rotina
exaustiva, com aulas das mais mirabolantes? Passar o dia institucionalizada,
terceirizada? Se a escola não fizer a defesa da infância quem irá fazer?
Em termos pragmáticos, há uma realidade que
está dada, gostando dela ou não, resistindo a ela ou não. Resistir a ela não
fará que essa realidade se transforme, apenas dará a ilusão de que se está
fazendo algo a respeito.
Muitas escolas têm se ajustado também pura e
simplesmente estando inteiramente identificada com a demanda familiar, que por
vezes passam a se responsabilizar única e exclusivamente pelos proventos
financeiros. Qual a medida? Qual o limite? Não sei dizer.

E é nesse último aspecto que eu acredito que
a escola poderia se ancorar, situando-se ao lado da família e da criança,
saindo da lógica do período integral como usualmente é concebido: para além de
vender a proposta de inúmeras aulas extras, projetos espetaculares que ocupam
integralmente o tempo da criança, reforços etc., vender como “produto” o livre
brincar, oferecendo momentos longos em que funcionem como uma casa de brincar -
diversos ambientes e recursos materiais e oficinas de diferentes naturezas
(artes, música, dança, esporte, leitura, experiências etc.) para que possam
escolher e entre tudo possa também escolher ficar deitado em uma esteira
olhando as nuvens ou lendo um gibi ou conversando ou tirando uma
sonequinha.
Sobretudo, um espaço que esteja aberto para
a família. Para aquele pai que saiu mais cedo e que quer esperar o rodízio ou o
trânsito diminuir ou simplesmente porque quer gozar do espaço para curtir com
filho experiências que não poderia usufruir se não fosse o espaço privilegiado,
acolhedor e potente da escola. Uma escola que preza pela convivência familiar
como elemento estruturante da infância e se mostra aberta para proporcionar
esse encontro.
OBS:
Esta reflexão foi colocada no papel em junho de 2018 e reanimada para este
blog.
A
intenção não é esgotar todos os aspectos deste assunto, apenas levantar alguns
para reflexão.
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