Uma escola boa para poucos ou uma escola possível para todos?


Crédito foto: Aline Leão

Giulianny Russo
Entre os inúmeros ataques dirigidos aos profissionais da Educação, um que nos é especialmente incômodo diz respeito ao “retorno do método fônico”, como um caminho para o trabalho com a alfabetização. Colocamos retorno entre aspas, porque sabemos que ele nunca chegou a ser totalmente substituído por outra perspectiva de aprendizagem e nos é especialmente incômodo, por termos dedicado nossa vida profissional ao estudo das teorias, bem como da didática específica da língua escrita, sobretudo, do processo de alfabetização.
Relembrando uma parte da história da educação no país, este não é o primeiro momento em que se propõe uma mudança radical na forma de conceber a aprendizagem da leitura e da escrita nas diretrizes educacionais. Quando os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais para a Educação) foram elaborados geraram nos professores daquela época esta mesma sensação que temos sentido com a proposta de retorno ao método fônico para alfabetizar as crianças: como mudam toda uma perspectiva - na forma de conceber os sujeitos de aprendizagem, a aprendizagem, o papel do professor e a própria função da escola - de forma tão verticalizada?
No entanto, naquele momento, os professores tinham como cenário o fracasso massivo na alfabetização, uma situação limite em que aparentemente “não se havia mais nada a fazer” ou “a alfabetização como um problema sem solução”. Ou seja, os professores de outrora, podiam ver, podiam vivenciar que aquela forma de ensinar a ler e a escrever não dava certo e, quando dava, as crianças alfabetizadas não se tornavam leitores e escritores, mas sim codificadores e decodificadores, pois ao final do treinamento recebido, apesar de codificarem de forma ortográfica, não sabiam fazer uso da leitura e da escrita.
Para aqueles professores que estavam tranquilos com o contingente enorme de analfabetos funcionais ou analfabetos, que consideravam que este problema não lhe dizia respeito, pois já tinham seguido à risca a cartilha de como alfabetizar, a chegada da nova perspectiva deve, talvez, ter incomodado também. Mas, temos certeza que, para aqueles professores que estavam aflitos com os limites da então proposta educacional, esta chegada foi vista como um bote salva-vidas.
Ao recebermos a notícia da adoção do MEC pelo método fônico, pensamos que novamente ocorre uma mudança de forma totalmente verticalizada, que não considera escolas, professores, estudiosos, famílias e crianças. No entanto, o cenário é ainda pior, pois retira-se a aposta em algo que não havia chegado sequer próximo de esgotar as alternativas, que sequer se consolidou em âmbito nacional, para algo que foi retirado exatamente por ter chegado em seu limite.
Hoje, depois de tudo o que se construiu como saber sobre os processos de aprendizagem e sobre o desenvolvimento humano, é impossível voltar à uma perspectiva que em seus pressupostos desconsideravam estes saberes, pois naquele dado momento eles sequer existiam.
Alguns dirão “mas a alfabetização continua sendo um problema nacional, as escolas não conseguem mais ensinar a ler e a escrever, seguimos formando um contingente de analfabetos funcionais, a qualidade do ensino decaiu, antigamente a escola pública era boa, forte”. É fato e notório que ainda há muito que avançar nestas questões, mas a lembrança da “boa escola pública” remonta não à época que precedia a entrada das propostas construtivistas na sala de aula, mas sim à época em que o pobre ficava fora dela; o tempo em que a escola, não obrigatória e excludente - pelos altos índices de reprovação -, fazia com que aqueles com maior dificuldade saíssem.
A escola, que até então era para algumas poucas crianças, cujas famílias valorizava e dava condições suficientes para sua permanência, precisava aprender a como ensinar também aquela criança que não tinha escrivaninha para fazer suas lições, que não tinha material nem acesso a livros, que não via sentido nem valor nas aprendizagens escolares, sobretudo, da língua escrita. Aprender a como ensinar as crianças que eram privadas de tudo que era essencial - com cuidados, comida, saúde e, até então, do direito de aprender e da possibilidade de romper com esse ciclo de produção de miseráveis.
Portanto, a escola de antigamente não era melhor que a de hoje, ela apenas atendia somente àquelas crianças que já tinham condições sociais e familiares asseguradas para aprender.
Por isso, o que a escola precisa é de seguir aprendendo a como fazer um atendimento de qualidade que atenda a diversidade, que atenda todas as crianças e isso implica em investimentos na área da educação - na formação inicial e continuada, nas condições de trabalho, que preservem horários para planejamento e estudo, que considerem um número razoável de alunos por professor, na remuneração que seja atrativa, nas condições institucionais que subsidiem a prática docente.
A proposição do método fônico ou de qualquer metodologia é o exato oposto disto e condiz com o plano de um governo que não deseja investir na educação de seus cidadãos. É um método barato, pois pressupõe que todos aprendem do mesmo jeito, que o professor não precisa refletir sobre seu aluno e criar estratégias, porque basta seguir o passo a passo que o método orienta (como se as mesmas orientações servissem para todos), logo não precisamos de professores bem formados e reflexivos, mas aplicacionistas de algo que foi por outra pessoa desenvolvido. É um método em que, supostamente, a criança aprende pela memorização e repetição de coisas nas quais não vê sentido algum e que não a ajudará a ler o mundo de forma a entender o que se está lendo, que o faz acreditar sem criticidade no que está escrito e que, portanto, aceite qualquer coisa que vier desse projeto de poder.

Hoje, o desânimo atinge a nós, professores, pois se a mobilização para a luta por melhores formações iniciais e continuadas, melhores acessos aos recursos e a cultura, era imensa e árdua, ela pelo menos indicava um caminho a percorrer, a investir. Um caminho pautado na profunda crença nos sujeitos – crianças e professores – e nas suas potências em serem muito, mas muito mais que meros aplicadores, memorizadores e reprodutores de algo que não lhes faziam menor sentido.

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