Crédito da foto: Aline Leão |
Giulianny Russo
O artigo Escola: algumas problematizações nos apresentou a algumas das problemáticas acerca dos conteúdos escolares: a de serem determinados a despeito das possibilidades do público atendido e a tomarem conta de todo o tempo didático, impossibilitando que o professor possa desenvolver atividades específicas para seus alunos ou explore mais um assunto de interesse ou crie propostas diferentes. Abordaremos agora, outros aspectos que consideramos especialmente relevantes.
Tradicionalmente o ensino escolar parte de um currículo composto pelas diferentes áreas de saber – Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia, Ciências Naturais, Educação Física, Arte, Língua Inglesa. Para cada área são selecionados os conteúdos considerados essenciais e ordenados em uma lógica cronológica ou de complexidade, segundo o critério dos especialistas que fazem a seleção.
Na matéria “História do Brasil”, por exemplo, se inicia com a vinda dos portugueses para o Brasil, o período colonial, depois imperial e, por fim, republicano. Dentro de cada período, são selecionados como conteúdo os aspectos que servem para o historiador que narra dar coesão e coerência à sua forma de interpretar a história.
O mesmo acontece em todas as áreas de ensino, pois todas - Física, Química, Língua Portuguesa, Matemática, Biologia, Geografia etc, demandam uma importante seleção em relação aos conteúdos, tanto por razões ideológicas, mas também em função do tempo didático, pois saberes em todas as áreas continuam sendo produzido diariamente.
Isso ocorre, porque a lógica de ensino é a acumulativa: saber “história” é o resultado de saber todos os eventos históricos selecionados que compõem “a história”; saber “física” é o resultado de saber todos os conteúdos escolhidos como mais relevantes que outros, ou mais elementares e considerados “pré-requisitos” para a aprendizagem de um outro mais complexo. No entanto, se os saberes em todos os campos da ciência continuam constantemente evoluindo, essa lógica que aprender é igual a acumulação de informações sobre uma área é insustentável a longo prazo, no tempo didático da escola – ainda que seja estendido o período de permanência da criança na escola, tal instituição nunca terá tempo para ensinar tanta coisa. Isso, sem levar em conta que um ensino desta natureza, precisa pautar-se na memorização das informações, que são esquecidas após a avaliação e que não encontram qualquer ressonância na rede de sentidos que a criança possui.
Por essa razão, que os documentos curriculares mais atuais (como a BNCC) definem seus conteúdos em termos de competências e habilidades a serem desenvolvidas e não mais em relação aos assuntos, temas, informações que devem ser ensinadas em cada ano escolar. Neste sentido, os assuntos, temas e informações estariam a serviço, seriam meios pelos quais se desenvolveria determinada habilidade.
Esta mudança acarreta em um tremendo impacto na avaliação, pois se o objetivo não é a aquisição de determinada informação, mas a competência que ela possibilitaria desenvolver, as avaliações tradicionais, focadas na informação, não são mais úteis, pois não serão aptas para dizerem se a criança atingiu ou não o que era esperado (relacionado à competência e não à informação). Ou seja, responder corretamente a uma pergunta, com informações concretas e objetivas, frutos da memorização, não será suficiente para avaliar o quanto a criança se aproximou ou não de determinada competência.
No entanto, a lógica conteudista – que começou mais fortemente a se problematizada a partir do formato de avaliação proposto pelo ENEM – assim como a seriação, esteve presente desde os primórdios da educação escolar. Mudar este paradigma demanda muita formação, estudo e reflexão, tanto para se fundamentar a respeito dos princípios que embasam essa mudança, quanto para pensar estratégias de comunicá-la e convencer as famílias a respeito desse caminho. Demanda também muito estudo a respeito das didáticas específicas, pois uma vez que nos vemos sem estratégias para ensinar algo, caímos na armadilha de nos atermos somente na informação cumulativa.
Em mais um aspecto a escola precisa se revisar, pensar novas versões de si mesma frente aos novos contextos sociais e às pesquisas realizadas, se reinventar, se reescrever...
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