Tecnologias na sala de aula ou práticas de linguagem na sala de aula?


Crédito da foto: Aline Leão
Giulianny Russo


 “O desafio que a escola enfrenta hoje é o de incorporar todos os alunos à cultura do escrito, é o de conseguir que todos seus ex-alunos cheguem a ser membros plenos da comunidade de leitores e escritores” (Lerner, 2002, p.17)
        
A universalização do acesso à educação, impondo a obrigatoriedade da educação básica, não bastou para que todos, estando na escola, aprendessem e se tornassem cidadãos da cultura escrita. Muito pelo contrário, ao ensinar de maneira descontextualizada, promovendo práticas de leitura e escrita distantes de seu uso social real, a escola constitui-se em um local que amplifica e perpetua os enormes abismos sociais entre aqueles que dominam as diferentes práticas e, por isso, “capazes de ler entrelinhas e de assumir uma posição frente à mantida, explícita ou implicitamente, pelos autores dos textos com os quais interagem”, e aqueles que apenas podem decifrar o sistema de escrita e dependem “da letra do texto e da autoridade de outros” (Lerner, 2002, p.28).

Em 1979, quando Ferreiro e Teberosky lançaram sua pesquisa, já apontavam o domínio da leitura e da escrita como ferramenta de discriminação e exclusão social e, apesar de nesse trabalho focarem sobre a apropriação do sistema alfabético, defendem que saber ler e escrever implica em poder interpretar e produzir uma diversidade de texto, em poder interagir de diversas formas com a língua escrita e com distintos propósitos e em, sobretudo, poder participar das diferentes práticas sociais de uso da linguagem (Ferreiro, 2008).

Neste último século, uma “nova” prática de leitura e escrita aparece com extrema força e potência. Na realidade, aparece uma multiplicidade de práticas decorrente de um “novo” suporte: o computador; e são tantas, tão variadas e híbridas – porque se pautam em diferentes práticas, para produzir novas, igualmente férteis e potentes –, e se transformam e se multiplicam em tamanha velocidade que é difícil, senão, impossível, circunscrevê-las.

Contudo, se é dever da escola “asegurar a todos el acceso a los bienes culturales fundamentales, instrumentales y conceptuales” (Somoza Rodrigues, 2012, p.611), esta não pode se eximir de proporcionar e garantir o acesso e a utilização das tecnologias eletrônicas de comunicação e informação. Também é fundamental a organização de um currículo em que o uso deste equipamento não se assemelhe às formas tradicionais empregadas no ensino da linguagem escrita e não transforme o equipamento e seu uso técnico (ligar, desligar, utilizar o mouse e algumas ferramentas) como objeto de estudo, mas sim que sejam objetos de estudo as práticas sociais que dele decorrem. Que se utilize na escola a tecnologia, tal como se utiliza fora da escola: com finalidades e propósitos compartilhados com o usuário. 

Tomando emprestada uma famosa expressão de Emília Ferreiro, mas ajustando-a ao contexto tecnológico: o computador e a tecnologia são importantes na escola, porque são importantes fora da escola¹. Por esta razão, não basta o acesso ao computador, pois o que determina a eficácia do processo é o uso que se faz do equipamento, é a função e não o material em si.

Neste sentido, é possível observar muitas escolas, públicas ou privadas, que dispõe do equipamento, mas que suas práticas remontam às antigas práticas alfabetização: descontextualizada e de mero exercício, extremamente orientado, como forma de, supostamente, se chegar ao domínio do uso. Neste ponto, podemos refazer um apontamento que Ferreiro e Teberosky (1979) fazem: como é possível, no ensino tradicional, a criança passar da simples repetição, reprodução e cópia exaustiva à produção criativa de textos? E aqui: como é possível a criança passar do simples uso instrumental de jogos ou softwares a práticas mais autônomas e criativas de uso do computador e da rede como uma real ferramenta de acesso aos bens culturais? De acordo com Somoza Rodríguez (2012, p. 582)
Las capacidades y potencialidades de las nuevas tecnologías no vienen dadas instrinsecamente sino que son el producto de múltiples y contradictorias relaciones y de los procesos de intercambio y negociación de los agentes sociales. No sería la tecnología la que establece el rumbo del cambio social a causa de su potencialidad, sino que su desarrollo sería resultado de una serie de contingencias ocurridas en los procesos sociales.
Ao repensar a história da leitura, evidencia-se que o poder e reconhecimento social pertenciam àqueles que dominavam (e, por vezes, manipulavam) o uso da linguagem, isso leva a pensar que o domínio dessas “novas” tecnologias produz e produzirá novos e enormes abismos entre aqueles que reconhecem e podem fazer uso, em toda sua potencialidade, dessa prática de leitura e escrita que, ademais, também é uma nova maneira de relação e constituição social. Somoza Rodríguez (2012, p.581),
las transformaciones tecnológicas forman parte del conjunto mayor de relaciones sociales, de producción e intercambio, de jerarquías, valores e identidades existentes en una comunidad humana particular y que, por lo tanto, el desarrollo tecnológico y las tecnologías específicas de la comunicacións están también condicionados por los intereses, conflictos y relaciones de dominación y de distribución desigual de bienes y recursos existentes entre los actores y grupos sociales.
Apesar das mudanças, o desafio que a escola tem de enfrentar e os problemas de aprendizagem são os mesmos: garantir o acesso, promover encaminhamentos e intervenções de qualidade, com diferentes propósitos e funções sociais e assim, guiar a criança a aprender por si mesmo tendo como referências as práticas sociais que existem fora da escola.

Naturalmente, os diferentes suportes e situações implicam em práticas distintas, no caso, a leitura e a escrita no computador, implicam em práticas mais dinâmicas, possibilita a produção de textos de maneira rápida e econômica, bem como sua divulgação em larguíssima escala, permite reunir texto, imagem, vídeos, sons em um mesmo suporte, além de vínculos que ampliam a informação ou o relaciona a assuntos semelhantes.
Efectivamente, rompe con la tradicional lectura lineal, continua y secuencial, ofreciendo al lector una multiplicidad de itinerarios posibles, siempre diferentes, según sus apetencias o intereses, según la ocasión o, incluso, dejándose llevar por la curiosidad sin fines predeterminados (Somoza Rodrigues, 2012, p.584)
          
É emergente e urgente, portanto, que a escola reflita sobre as formas em que possibilita a seus alunos a acessarem e a interagirem com a informação, de modo que os suportes eletrônicos, assim como os demais, se constituam em um instrumento básico do trabalho intelectual e não apenas objeto de ensino por si mesmo, nas salas de informática.
Os suportes eletrônicos, assim como os livros, são apenas meros instrumentos, meros suportes para fins maiores: capturar a imensa complexidade da linguagem humana, tanto textual como iconográfica, já que o tipo de suporte não evita nem soluciona o problema de adquirir habilidades de leitor experto.
Si la continuidad, secuencialidad e inmersión de los textos escritos e impresos originó el distanciamiento entre sujeto y objeto; la lógica formal y la precisión verbal, la fragmentación, la discontinuidad y la distracción que produce la lectura de hipertexto en pantallas electrónicas originaría, a su vez, hábitos lectores, formas culturales y estructuras de pensamiento adecuados a la nueva naturaleza de la comunicación y de sus suportes (Somoza Rodrígues, 2012, p. 585)


[1] A citação original de Emília Ferreiro é: “a escrita é importante na escola pelo fato de que é importante fora da escola, não o contrário” (Ferreiro, 2001, p.33)

Referência bibliográfica

CUCUZZA, R. H. (2008) Retórica de las escenas de lectura en las carátulas del libro escolar. Biblioteca Virtual del Proyecto RELEE, Redes de Estudios en Lectura y Escritura. Ministerio de Educación, Argentina. http://www.hum.unne.edu.ar/investigacion/educa/web_relee/biblio.htm
ESCALANTE, Dóris. La lectura y la escritura en una sociedad informatizada. In: http://www.quadernsdigitals.net/datos/hemeroteca/r_43/nr_478/a_6389/6389.pdf, acessado em 19/05/2012
FERREIRO, E.; TEBEROSKY, A. (1979) Psicogênese da Língua Escrita. Porto Alegre: Artmed, 1999.
FERREIRO, E. Passado y presente de los verbos leer y escribir. 2ª ed. Buenos Aires: Fondo de Cultura Econômica, 2008.
FERREIRO, E. Cultura, escrita e educação. Porto Alegre: Artmed, 2001
LERNER, D. Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário. Porto Alegre: Artmed, 2002.
LYONS, M. História de la lectura y de la escritura en el mundo occidental. Buenos Aires: Editoras del Calderón, 2012.
SOMOZA RODRÍGUES, M. Los saberes letrados en la sociedad de la información – Lecturas, soportes, ritmos. In: CUCUZZA, H.D. e SPREGELBURG, R.P. História de la lectura en la Argentina. Del catecismo colonial a las netbooks estateles. Buenos Aires: Editoras del Calderón, 2012;

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