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Aline Leão
Adrianna
Nunez
O desafio que devemos enfrentar, nós que estamos
comprometidos com a instituição escolar, [...] é unir nossos esforços para
alfabetizar todos os alunos, para assegurar que todos tenham oportunidades de
se apropriar da leitura e da escrita como ferramentas essenciais de progresso
cognoscitivo e de crescimento pessoal. (Delia Lerner [1])
Desde que foi publicada
em 1979, a pesquisa [2]
intitulada Psicogênese da língua escrita [3],
de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, alterou o panorama da alfabetização,
mudando o modo como esse processo passou a ser concebido. Apoiadas na Epistemologia Genética de Jean Piaget,
as pesquisadoras em questão trouxeram contribuições que transformaram
o modo de alfabetizar e mudaram o foco do ensino da leitura e da escrita, que passou
a ser visto sob a ótica de quem aprende e não de quem ensina.
Buscando compreender
os fatores causadores do fracasso escolar, as autoras não apresentaram uma nova
metodologia e nem uma nova forma de classificar os transtornos de aprendizagem,
foco de preocupação de alguns educadores da época, mas procuraram investigar
como ocorre o processo de aquisição da língua, considerando alguns aspectos que
ainda não eram objetos de reflexão até o momento. E, a partir das contribuições
de Piaget, que serviram para compreender como ocorre o desenvolvimento da
inteligência no ser humano e como este constrói o conhecimento, as autoras
passaram a validar como parte essencial do processo o sujeito que aprende e o
objeto de conhecimento, no caso a língua escrita.
Uma das discussões mais intensas da época consistia na disputa
sobre o melhor método para ensinar a ler e a escrever e em preparar os alunos
com os requisitos ou habilidades básicas que se
acreditavam serem indispensáveis para um sujeito conseguir se alfabetizar.
Acreditava-se que, só depois de entrar na escola e de ter tais habilidades bem
desenvolvidas (lateralidade, coordenação viso motora, discriminação auditiva e
visual, entre outras) a criança estava apta a aprender, era autorizada a seguir
aprendendo somente depois de ter alcançado certa maturidade.
Um aspecto que se
constituiu em objeto de reflexão foi o modo de conceituar a escrita, uma vez
que esta era entendida como código de transcrição gráfica da fala, sendo que se
acreditava que para aprender bastava o sujeito transcrever no papel os sons emitidos
ao pronunciar as palavras que se desejava grafar, restando ao professor preparar
as crianças mecanicamente e através de exercícios para que se tornassem
alfabetizadas.
A escrita até então não
era vista como um objeto social e conceitual, o que significa que ela não era
considerada um objeto construído historicamente, e muito menos entendida como
uma construção feita de modo interno, pelo sujeito, através de inúmeras
tentativas de incorporação deste novo objeto de conhecimento. Como destaca Emilia Ferreiro, a escrita até então era concebida como um código de transcrição gráfica
e não como um sistema de representação da linguagem.
Considerar a escrita
um sistema de transcrição gráfica das unidades sonoras não favorece o
entendimento de outros aspectos importantes para o processo de alfabetização. Um
deles diz respeito à sua aprendizagem que acaba sendo dificultada, pois tudo o
que o sujeito aprendiz precisa compreender é apresentado de uma forma que não
considera o seu modo de pensar, a sua capacidade de aprender e, ainda, ignora o
fato de que nem todas as crianças pensam da mesma maneira e ao mesmo tempo, ignora
sua capacidade cognoscente.
Outro aspecto se
refere à competência linguística das crianças, ou seja, aos conhecimentos sobre
a estrutura da língua que adquirem a partir da própria experiência como seus
falantes nativos (ao vivenciarem situações em que participam como falantes e ouvintes).
Ainda quando pequenas procuram compreender, através de suas experiências com a
língua materna (e não através de métodos), a linguagem que estão acostumadas a
falar no ambiente em que vivem, criando hipóteses ao tentarem compreender o
funcionamento da língua. Ao longo deste processo de reconstrução, procuram
encontrar regularidades que expliquem tal funcionamento e que lhes assegurem o
domínio da língua, a partir da interação com outros falantes, nas situações
sociais de comunicação pautadas pelas necessidades e propósitos. Logo, precisamos
considerar que as crianças que estão aprendendo a ler e a escrever já possuem
muitos conhecimentos sobre a língua.
A partir destes
conhecimentos prévios, anteriores à experiência escolar e adquiridos através da
interação social, como negar os conhecimentos construídos pelas crianças até o
momento em que se deparam com o ensino formal? Como não validar a competência e
a curiosidade infantil acerca do mundo letrado? Estas foram algumas das perguntas
que Emilia Ferreiro e Ana Teberosky procuraram responder e, uma das maiores contribuições deste trabalho, foi mostrar que todos
são capazes de aprender.
Crítica do uso de
métodos fechados para ensinar a ler e escrever, a Psicogênese da língua escrita contribuiu (e ainda contribui!) enormemente
para a construção de uma nova maneira de pensar o processo de alfabetização. A pesquisa em questão investigou como as crianças aprendem a ler
e a escrever a partir das reflexões que fazem e dos conflitos que superam ao
tentar incorporar este objeto de conhecimento ainda desconhecido – a língua
escrita – porém já alvo das inúmeras observações infantis, desde a mais tenra
idade, quando elas vivem em ambientes letrados. A Psicogênese, pesquisa cujo intuito
não era investigar como alfabetizar, a partir dos resultados apresentados com a
sua publicação, abriu um campo para a pesquisa didática, em que formas de ensinar
a leitura e a escrita foram e continuam sendo pensadas e investigadas, contribuindo
assim para a prática pedagógica de inúmeros professores que se dedicam a esta
tarefa tão nobre.
*** Este texto é parte integrante da monografia apresentada pela autora na
conclusão do curso de especialização em alfabetização, no ano de 2013.
[1] LERNER, Delia. Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário. Porto
Alegre: Artmed, 2002.
[2]
Título da publicação original, em espanhol: Los sistemas de escritura en el
desarrollo del niño.
[3]
Significado do título traduzido para o português: nascimento ou origem
psicológica do conhecimento sobre a língua escrita.
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