Crédito da foto: Aline Leão |
Giulianny Russo
Quando se pensa em escola, uma das primeiras questões que surge é sobre qual é o “método” adotado. No entanto, o cenário que motivou a pesquisa, da qual derivou a perspectiva construtivista de aprendizagem foi a total falência dos métodos de ensino.
Mas qual é o problema dos métodos em geral? O conceito de método é definido enquanto um conjunto de técnicas ou procedimentos para se fazer alguma coisa, como uma receita, na qual é necessário sempre seguir um passo a passo, em uma certa sequência para se obter o efeito esperado. Portanto, o método de aprendizagem é o passo a passo, cujo resultado seria a aprendizagem de determinado conteúdo.
Os métodos, de fato, são extremamente eficientes para receitas e experimentos nos quais os elementos integrantes não são constituídos de subjetividade, que não tem desejos, temperamentos, experiências anteriores. Em uma receita não preciso me preocupar se o caminho percorrido pelo açúcar foi traumático, se ele teve experiências significativas para que ele se motive, se implique e veja sentido em adoçar o bolo.
Por isso, como era de se esperar, um passo-a-passo, com etapas previamente definidas, que não consideram os sujeitos envolvidos, nos quais os repertórios e as experiências anteriores não apenas influenciam, mas o fundam enquanto gente, não servirá sempre para todas as crianças aprenderem.
A pesquisa Psicogenética do conhecimento, cujo próprio nome significa saber a gênese, a origem psicológica do conhecimento, ou seja, como uma criança passa de um estado menor de conhecimento para um estado maior, portanto, como ela aprende, traz uma importante mudança de paradigma: até então, se discutia a aprendizagem em termos de tentar elaborar e descobrir qual era o melhor método de ensino. E, por mais que se pesquisasse, os “mais eficientes métodos” sempre chegavam a um entrave: não serviam para todos aprenderem, pior, não servia para muitos e os indicadores de reprovação, evasão escolar e analfabetismo populacional apenas subiam - a alfabetização, então, era considerada um problema sem solução, havia crianças que podiam aprender e outras que não, atribuindo toda a responsabilidade do fracasso escolar ao aluno – se o “método era perfeito” e a criança não aprendeu, logo, o problema está na criança.
A pesquisa Psicogenética quebra o paradigma ao mudar a forma de olhar a questão: ao invés de pesquisar “qual o melhor método de ensinar?”, pesquisar “como é que as crianças aprendem?” Uma proposta que hoje parece bastante óbvia, pois como pensar como ensinar se não sei como as crianças aprendem? Mas que até então esta não era uma questão problematizada.
Tirar o foco do método e colocar o foco nas crianças trouxe impactos irreversíveis para a educação. Nesta pesquisa, descobriu-se que, diferentemente dos pressupostos básicos das metodologias de ensino, que as crianças chegam à escola com muitos saberes sobre as diferentes áreas, que refletem sobre o mundo no qual estão inseridas e formulam hipóteses sobre tudo o que observam – hipóteses que por vezes se aproximam às convencionais, outras que estão bastante distantes, mas que de igual maneira comprovam que elas estão pensando.
Se estas hipóteses refletem as experiências anteriores e as crianças, obviamente, têm experiências distintas, é natural que ao se encontrarem na escola, formem um grupo com diferentes saberes e ideias: uma criança proveniente de uma família que conversa com ela, que tem acesso aos diferentes equipamentos culturais, terá um repertório de reflexões e formulações sobre o mundo bem diferente de uma criança que não teve esta oportunidade de acesso .
Deste modo, não faz sentido submeter todas as crianças, de diferentes localidades, origens, níveis econômicos, sócio e culturais e diferentes experiências afetivas e emocionais ao mesmo passo-a-passo. Com isso tornou-se indispensável conhecer o aluno a quem se ensina, as ideias que ele tem sobre o objeto de ensino, suas experiências, saindo da lógica da homogeneidade, na qual se pressupunha que todos aprendem no mesmo tempo e do mesmo jeito.
Se antes essa diversidade de saberes não era sequer vista, pois, as crianças eram consideradas “tábulas rasas”, ao nos darmos conta da importância dela, não dava para seguir usando métodos de ensino e propondo percursos de aprendizagem a despeito destas diferenças: quão longe ou próximo está uma criança de um determinado conteúdo, como cada um aprende, quais são seus desafios – passam a ser o ponto de partida para a proposição de qualquer prática educativa que, consequentemente, não será igual para todos o tempo inteiro.
E esta sim tem sido a barreira mais difícil de transpor. Diante de uma mudança tão profunda na forma de conceber a aprendizagem, a escola precisava se rever e rever todas as implicações que dela decorriam: se as crianças têm saberes, logo têm saberes distintos, derivados de experiências distintas, logo têm interesses distintos, logo aprendem de forma diferente uma da outra; além disso se faz premente o constante investimento na formação da equipe de professores, afinal: como ensinar a partir de outras premissas, se a forma como aprendeu e aprendeu a ensinar estruturava-se em uma visão tão diferente? Se não faz mais sentido pegar um material padronizado, igual para todos, que não considera a singularidade de cada criança?
Uma perspectiva que considera cada sujeito demanda que os professores sejam observadores, que olhem para a criança e conheçam bem as didáticas específicas, que sentem junto com cada criança e acompanhem como ela vai aprendendo e, assim, percebam o que precisam propor e como precisam intervir para que ela siga avançando. Mas, o que é mais barato e simples: entregar um material pronto e professor aplicar o mesmo material para todos, fazer apenas aulas expositivas na frente da sala, igual para todos, sem precisar olhar para cada aluno e sem estudar as didáticas ou investir reiterada e continuamente na formação de professores para que tenham práticas reflexivas e ajustadas às necessidades de aprendizagem de cada aluno?
Por isso que, embora esta visão esteja influenciando a educação brasileira há mais de 30 anos, ela ainda não conseguiu ter êxito, não por falha na perspectiva¹ de ensino, mas porque os investimentos e esforços necessários para transformar a educação ainda não estiveram como prioridade em nosso projeto de país.
Os métodos de ensino falham por suas próprias premissas, já no caso da perspectiva psicogenética não é ela quem falha, mas sim nós, que ainda não conseguimos fazer a transposição da teoria e das teorias didáticas que dela decorrem para o dia a dia das nossas salas de aula. E como resolver isso: voltando à proposta dos métodos ou voltando a estudar?
[1] Como a perspectiva construtivista pressupõe considerar as particularidades cada criança, como aprendem, suas experiências anteriores, o que já sabe etc., para então se propor expectativas e percursos de aprendizagem é errado falar em “método ou metodologia construtivista”, pois são modos antagônicos na forma de conceber a aprendizagem.
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