Escolas e professores também são heróis na luta contra o coronavírus


Crédito da imagem: Aline Leão

Maria Cristina Kupfer¹

No inicio da pandemia, mais de 280 mil escolas, da Educação infantil à Universidade, três milhões de professores e 50 milhões de alunos, sem falar nos funcionários dos estabelecimentos de ensino, aderiram à quarentena.

Ninguém nesse grupo enorme de pessoas – cerca de um em cada quatro brasileiros - reagiu ao fechamento das portas das escolas, e talvez esse fechamento tenha sido o único em relação ao qual concordaram de forma unânime os divididos e inconciliáveis segmentos do poder público brasileiro – o governo federal, os estaduais e municipais, o poder judiciário etc.

É o caso de pensar a respeito dessa estranha concordância entre os que detêm o poder no Brasil. Mas não é preciso pensar muito, já que a resposta pode vir rapidamente: educação não é mercadoria (pelo menos até agora) e não dá lucro; o dinheiro para pagar esse enorme contingente de trabalhadores públicos já estava destinado, e nas particulares, o pagamento das mensalidades não seria suspenso. Fechar escola não é como fechar comércio, e assim o fechamento não prejudica a economia. O prejuízo, do ponto de vista das “autoridades”, tem que ser medido apenas em termos econômicos; se algum outro prejuízo houver, não precisa ser considerado, não é importante. Aliás, a educação mesmo não é muito importante, eles parecem dizer.

Não se comenta também o enorme benefício que o fechamento das escolas prestou à luta contra o coronavírus. Tendo sido as responsáveis pelo fechamento mais bem sucedido dentre todos os que se praticaram durante nossa discutível quarentena, as escolas podem ter evitado, talvez, outras 100.000 mortes, até agora.

É certo que o fechamento foi obrigatório, e a contribuição para a intensificação do isolamento não foi intencional, o que não deixa de ser a primeira contribuição das escolas nesse combate.

Mas há outras ações que precisamos louvar.

Da noite para o dia, as escolas obrigaram-se a adaptar, em um esforço gigantesco, veloz e muitíssimo bem sucedido, seus modos de ensinar, sem deixar de fazer o que sempre fizeram, ou seja, educar.

Não é que conseguiram prosseguir dando direitinho a matéria de que os alunos precisam para ser competitivos lá na frente, no vestibular, ou no mercado de trabalho, depois de formados na universidade. Muitos conteúdos não puderam ser ensinados, é verdade. 

Porém, as escolas continuaram a educar porque não deixaram de lado os alunos, não interromperam os vínculos que já se tinham criado no interior das comunidades escolares, e não deixaram de apontar, mesmo sem perceber, que a educação também importa.

Os professores foram atrás dos alunos que não tinham Internet (tarefa que competia ao poder público), criaram programas de rádio para transmitir lições, apostilas que iam entregar nas casas dos alunos, distribuíram chips de celular. A comunicação, não importa como, precisava prosseguir – e prosseguiu. Não a comunicação utilitária, prática – não os meios de comunicação, eletrônicos ou não –, mas a comunicação ela mesma.

Ainda que as aulas tenham sido reduzidas a meras duas horas semanais, não pararam. E por quê? Porque sabem que uma escola não se reduz aos conteúdos que ensinam. Fazem muito mais pelo aluno, ainda que não saibam disso ou não prestem atenção a isso. Não faz mal que não tenham alfabetizado as crianças do primeiro ano; o espírito civilizatório da escola continuou aceso.

Assim, mais do que pelo esforço (enorme) de aprender a dar aulas virtuais, os professores são heróis pela resposta viva e grandiloquente à indiferença dos “governantes”. 

Disseram, por suas ações, que as escolas podem ser fechadas, mas a educação não vai parar, seja qual for a catástrofe que vier a bater à porta do mundo.


 

¹ Maria Cristina Kupfer: Psicanalista, Professora Sênior do Instituto de Psicologia da USP, Sócia fundadora do Lugar de Vida, coordenadora das pesquisas IRDI, Metodologia IRDI nas creches e Validação do instrumento APEGI.

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