Você sabe por que a escola existe?

 

Crédito da foto: Aline Leão

Por Carolina Delboni¹

        Em tempos de pandemia e de escola em frente às telas, existe um repensar sobre o valor da educação. Entenda e saiba por que a escola existe.

A gente cresce escutando que precisamos estudar para entrar numa faculdade, para poder trabalhar e ser alguém na vida. Não é isso? É, mas não é. Porque não deveria ser. Crescemos pensando para que e por que existe a escola. Os alunos, que um dia já fomos, e os de hoje, continuam se perguntando: para que “serve” estarmos aqui? Tem que existir um “servir”? E servir a quem? Por que se vai à escola?

A pergunta volta nesse momento de pandemia, de quarentena, em que a escola adentra a casa de crianças e adolescentes. Repensar sobre os princípios da educação e os formatos que a rodeia, passa por refletir sobre o porquê da existência da escola. E a escola não deveria existir para ser finalidade. Escola deveria existir para ser sentido. Porque só vai ser aprendizado se fizer sentido. E para ter sentido tem que ser maior do que uma faculdade ou um trabalho. Porque a vida é maior que isso. Muito maior.

Ano passado, circulou um texto pelas mídias sociais do paleoantropólogo Juan Luis Arsuaga, em que ele diz uma frase estrondosa: “A vida não pode ser trabalhar a semana inteira e ir ao supermercado no sábado”. E a gente concorda. Não pode. Porque a vida não se resume a isso. A frase faz parte de uma entrevista que ele deu sobre o lançamento de seu novo livro, no qual tenta desvendar o sentido da vida.

Sentido este que nos permeia em todos os afazeres. Seja aos 2 anos de idade, seja aos 80 ou 90 anos. Não importa a idade. A vida passa a ter o sentido de existir no momento em que a gente nasce. A vida não existe apenas quando a gente a projeta para o futuro. Assim como a criança, que não passa a ser sujeito, a ser alguém, só quando chegar no futuro, na vida adulta. Criança é ser atuante no mundo desde o dia em que ela nasce. E é essa criança que a escola deve considerar para ganhar sentido.

E sentido a gente constrói respondendo os porquês, dando suportes às crianças, como sustentam Emília Ferreiro e Piaget. A criança que age para conhecer, que não espera para ir à escola e buscar conhecimento; a criança que cria hipóteses antes de lhe dizerem como se faz.

Escola ganha sentido quando considera todas essas hipóteses e dá espaço para que elas possam reverberar. Para que possam ser ouvidas, consideradas e investigadas. É simplista, em 2020, a escola – e o campo da educação – dizer que estudar serve apenas para crescer e ser alguém na vida. Já se é. E é aí que está a grande reviravolta da educação.

Escolas não são comerciais de margarina com final feliz. Escola não é finalidade. Escola é sentido. Ela existe porque responde às questões das crianças no momento em que estão. Sim, trazendo conhecimentos e saberes que a humanidade já adquiriu, mas, também, considerando o hoje. Porque insere a criança no mundo. Mundo para além da família e dos arredores da casa.

Escolas são mais do que o passado dos livros de História e mais do que a lonjura representada na palavra futuro. Como a vida, que é mais do que pagar as contas e ir ao supermercado. “Deve haver algo mais…E essa outra coisa se chama cultura. É a música, a poesia, a natureza, a beleza…”, diz o paleoantropólogo.

Deve haver algo mais na escola, também. E certamente ele existe. Precisa ter coragem de mudar, de provocar a mudança e sustentá-la frente a um sistema tão arcaico quanto o da educação. As escolas perdem a oportunidade de dialogarem com os alunos, porque não dialogam com o mundo. Estamos em pandemia, em isolamento social, com crianças dentro de casa na frente das telas. Está na hora de repensar. Está na hora de refazer os contratos entre famílias, alunos e escola.

Trazer uma lousa digital para a sala de aula não é trazer o mundo para a sala de aula. Mas trazer os assuntos que acontecem entre eles, escutá-los, considerá-los e partir deles para construir conhecimento, sim. Dar voz e dar vez. Daí, é trazer o mundo para dentro da escola. E a gente carece de mundo. Carece desse olhar sensível ao outro. Seja no processo da educação dentro das escolas, seja fora delas.

Porque só vai fazer sentido quando for mais humano. Quando, para além das normas, listas de chamadas e páginas de livros didáticos, a gente considerar o outro. Quando aquilo que for uma questão às crianças ou aos adolescentes puder entrar num planejamento de pesquisa e estudo. Quando a criança que queremos formar para o mundo, for o mundo hoje, no presente. Porque a gente só constrói futuro com o hoje.

A razão de ir à escola tem que ser a de hoje, do presente. A criança e o adolescente só vão encontrar respostas do porquê ir à escola se, lá dentro, eles conseguirem dar conta dessa criança e desse adolescente de hoje, do mundo contemporâneo em que vivemos e das questões que ele traz como urgência e como pauta de investigação, pesquisa e conhecimento.

Tem que ter sentido para existir. Na vida, na escola, no trabalho. Onde for. Só é significativo se vier de dentro. Do peito. Do que a gente carrega dentro da gente e não do que dão para a gente carregar, feito quem é capaz de ser curioso com o sentir: da vida, na vida e na escola. Porque é preciso refazerem-se os contratos, com trato.

 

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¹ Artigo original publicado no jornal Estadão <https://emais.estadao.com.br/blogs/kids/voce-sabe-por-que-a-escola-existe/> acessado em 10/08/2020. 

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