As teorias da educação e o construtivismo psicogenético
Reflexões a partir do artigo As teorias da educação e o problema da marginalidade na América Latina¹
Dermeval Saviani, em sua classificação das teorias da educação, organiza e discute como diferentes abordagens educacionais interpretam e lidam com o problema da marginalidade. Ao dividir essas teorias entre as não-críticas e as crítico-reprodutivistas, Saviani evidencia que as primeiras, representadas pelas pedagogias tradicional, nova e tecnicista (no final desse resumo, inseri um quadro síntese com as principais ideias destas três pedagogias - segundo o autor), tendem a ver a educação como um instrumento de equalização social, capaz de corrigir desigualdades. Essas teorias assumem que a educação tem o poder de mudar as condições sociais dos indivíduos, mas frequentemente negligenciam o contexto social mais amplo e as estruturas de poder que influenciam a educação.
Em contrapartida, as teorias crítico-reprodutivistas (influenciadas por autores como Bourdieu e Althusser), veem a educação como um mecanismo de reprodução das desigualdades sociais, onde a escola funciona para manter a hegemonia da classe dominante (violência simbólica, os aparelhos ideológicos de Estado e a escola dualista). Saviani sugere que nenhuma dessas abordagens é capaz de efetivamente transformar a sociedade, uma vez que ou subestimam ou se rendem às condições sociais que moldam a educação.
Quadro síntese das principais características de cada teoria, conforme classificação de Saviani (1982) entre teorias críticas e não críticas, e as principais implicações para o enfrentamento da marginalidade
* Quadro organizado por GiuliannyNeste artigo, Saviani faz uma crítica implícita à falta de transformação estrutural em todas essas abordagens e aborda a necessidade de uma teoria crítica da educação que vá além do caráter reprodutivista das teorias crítico-reprodutivistas. Ele argumenta que, por um lado as teorias não-críticas buscam ingenuamente resolver a marginalidade pela educação e não abordam de maneira suficiente os elementos de reprodução das estruturas sociais na educação, focando nos processos cognitivos e nas metodologias internas à escola e deixando de lado o papel da educação na manutenção das desigualdades. Por outro, as teorias crítico-reprodutivistas ao enfatizarem o papel da escola na reprodução das desigualdades sociais, acabam por considerar que a educação está completamente subordinada às condições econômicas e sociais, servindo apenas para perpetuar as estruturas de dominação. Para Saviani, o risco dessas abordagens é cair no conformismo e no pessimismo, sugerindo que qualquer tentativa de transformação dentro do sistema educacional estaria fadada ao fracasso
Saviani
propõe que é possível e necessário construir uma teoria crítica que reconheça
as limitações impostas pelas condições sociais, mas que, ao mesmo tempo,
permita aos educadores desenvolver ações transformadoras dentro das restrições
existentes. Essa teoria crítica da educação buscaria compreender a escola como
uma realidade histórica, ou seja, como uma instituição suscetível de mudanças
pela ação humana, sem cair no idealismo nem no voluntarismo.
Reflexões sobre como situar a perspectiva construtivista psicogenética neste panorama traçado por Saviani (1982)
...paradoxalmente, em lugar de resolver o problema da marginalidade, a “Escola Nova" o agravou. Com efeito, ao enfatizar a “qualidade do ensino”, ela deslocou o eixo de preocupação do âmbito político - (relativo à sociedade em seu conjunto) para o âmbito técnico-pedagógico (relativo ao interior da escola), cumprindo ao mesmo tempo uma dupla função: manter a expansão da escola em limites suportáveis pelos interesses dominantes e desenvolver um tipo de ensino adequado a esses interesses. (p.10)
Embora focada em como as crianças constroem o conhecimento sobre a escrita, a perspectiva construtivista psicogenética da língua escrita, propõe reflexões profundas sobre o papel da alfabetização na formação de sujeitos críticos e autônomos, oferecendo um contraponto à Pedagogia Nova e superando-a em alguns aspectos.
Ferreiro avança em relação à Pedagogia Nova ao incluir a criticidade e o compromisso social na alfabetização. Para ela, a alfabetização deve atuar como ferramenta emancipadora, promovendo o direito de acesso às culturas do escrito como um direito cidadão. Esse acesso tem um poder transformador, pois a leitura e a escrita permitem que o indivíduo participe ativamente da sociedade e desenvolva uma visão crítica e reflexiva sobre seu entorno. Nesse sentido, a perspectiva de Ferreiro dialoga com a perspectiva que Saviani apresenta de uma Teoria Crítica, pois entende a alfabetização como um processo de inclusão e empoderamento, essencial para a emancipação social, especialmente em contextos de marginalização, como na América Latina.
Para
Ferreiro, a alfabetização é um processo que permite ao sujeito transformar sua
realidade e exercer plenamente sua cidadania. A defesa da diversidade cultural
e linguística, presente em seus escritos, reforça que a escola deve não apenas
tolerar, mas valorizar as diferentes trajetórias e saberes dos alunos. Esse
respeito à diversidade contribui para a formação de sujeitos críticos e
reflexivos, que compreendem e questionam o mundo ao seu redor. A leitura e a
escrita, nesse contexto, tornam-se mais do que habilidades; são práticas
sociais e culturais que conferem ao indivíduo um lugar ativo na sociedade.
Embora a perspectiva construtivista psicogenética de Ferreiro não seja uma teoria da educação, sua abordagem do processo de alfabetização coloca-a em uma posição próxima às teorias críticas. A alfabetização não é vista como um mero processo técnico, mas como uma prática com potencial emancipador, que visa garantir o direito à participação na cultura letrada, promovendo uma educação que forma cidadãos críticos e engajados.
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Quadro síntese da definição de Saviani para as pedagogias tradicional, nova e tecnicista. A sistematização das informações neste quadro foi organizada por mim:
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