Crédito da foto: Aline Leão |
Giulianny Russo
Houve uma época, na história da humanidade, em que toda e qualquer
forma de existência que divergia da forma considerada “padrão” (e este “padrão”
era a forma definida pelo grupo que detinha maior poder) precisava ser
eliminada: todo e qualquer jeito de falar, de andar, de pensar, de sentir,
de se relacionar, de acreditar, de se alimentar que fosse diferente da
considerada “normal” pelo grupo dominante, devia ser extinto. Basta lembrarmos dos grupos nômades que deixavam seus membros
deficientes pelo caminho, à mercê das intempéries da natureza, ou os gregos que
ativaram ao precipício os deficientes recém-nascidos, ou na tradição nórdica
que os entregava às fadas e duendes da floresta para que se encarregassem dos
cuidados, entre outros inúmeros exemplos.
Com a evolução da ciência e a progressiva “humanização do ser
humano”, algumas sociedades passaram a permitir a sobrevivência, ainda que
segregada e apartada, daqueles que possuíam um desenvolvimento considerado atípico:
crianças e adultos cujas diferenças não se diluía no grupo, ficavam escondidos
em suas casas ou em instituições especializadas, sem poderem
usufruir dos diferentes espaços públicos e do contato com as demais pessoas de
seu grupo etário. Estas pessoas, as ditas “normais”, por sua vez, cresciam com
um conhecimento restrito da realidade, conhecendo limitadas possibilidades de
existência.
Evoluímos um tanto mais e nos demos conta de que as pessoas em
situação de inclusão eram cidadãs, sujeitos de direito e, ao impedi-las – ao
não garantir - de frequentar o espaço público, estávamos cerceando-as de seus
direitos fundamentais. Mais que isso, fomos, enquanto sociedade, nos dando
conta das potencialidades do encontro com a diferença: perceber a
complexidade do nosso mundo e desnaturalizar construções que não são próprias
da natureza, mas sim da sociedade, e que de tão frequentes, corriqueiras e
comuns, acabamos naturalizando-as. Começamos a compreender que um ambiente
diverso e inclusivo além de educativo é “humanizante” (para todos os seres
humanos envolvidos) e que, portanto, contribui para o desenvolvimento de toda
a comunidade escolar.
Ao viverem a complexidade e diversidade em seu principal ambiente
social, as crianças crescem, aprendem e se desenvolvem juntas, ora apoiando,
ora sendo apoiadas. Crescem observando que todos e cada um de seus
colegas é diferente do outro, tem ritmos, interesses, desejos, posturas,
valores diferentes e que um precisa de determinada ajuda em um momento e o
outro de outro tipo de ajuda e que isso não significa ser menos, ser pior, ser
atrasado, mas que esta diferença é inerente à própria natureza humana. E, aprender
a conviver com a diferença, respeitando verdadeiramente o outro, só é possível
em um contexto que seja de fato diverso.
O caminho percorrido até chegarmos a esta compreensão foi e é árduo
e muito longo e muito longe de chegar ao fim. Uma realidade que não foi concretizada
nas escolas, não por não serem absolutamente legítimas e oportunas, mas porque implica
uma mudança social estrutural que é a de todos estarem convencidos de que as
pessoas com deficiência, com entraves em suas constituições e que enfrentam barreiras
para sua inclusão e participação social, que estas pessoas são gente. Outro
fator diz respeito ao pouco tempo das políticas inclusivas, bem como o
irrisório investimento em educação e na formação docente.
Por esta razão, o decreto n° 10.502/2020, publicado em 01/10 pelo
Governo Federal representa um enorme desrespeito a tudo o que foi construído em
termos de experiências, práticas escolares, de princípios e pesquisa acadêmica
no campo, mas sobretudo, um enorme retrocesso ao propor o retorno das escolas e
classe especiais como forma de assistir às crianças em situação de inclusão.
O êxito de uma proposta inclusiva reside na verdadeira inclusão nos
grupos sociais da infância, a escola, e no trabalho constantemente reflexivo,
problematizador e formativo, não apenas dos professores, mas de toda equipe
escolar. Separar alguns alunos em centros especializados é privá-los do
processo educativo, é privá-los da vivência escolar com e entre seus pares. É
negar-lhes seu lugar enquanto sujeito, como aluno.
Com este decreto abre-se a possibilidade de que investimentos
estatais sejam destinados à criação e manutenção destas escolas e classes
especiais, ao invés serem investidos em formação para a qualificação e
amadurecimento do trabalho atualmente desenvolvido.
Em defesa ao direito de todos os alunos a terem uma educação rica e, portanto, plural – também do ponto de vista das relações. Em defesa ao direito das crianças em situação de inclusão a vivenciarem sua cidadania de frequentar o principal lugar social da infância, a escola: dizemos não ao decreto n°10.502/2020.
Segregação não é inclusão!
Por isso, convidamos a todos a:
- Assinarem a petição pública:
https://secure.avaaz.org/community_petitions/po/todos_segregar_nao_e_incluir/?zztmyqb
- Compartilharem em suas redes sociais as cartas, vídeos e afins: https://campanha.org.br/noticias/2020/10/02/carta-a-sociedade-brasileira-decreto-n-105022020-que-institui-a-politica-nacional-de-educacao-especial-equitativa-inclusiva-e-com-aprendizado-ao-longo-da-vida/
https://www.facebook.com/diariodamaedaalice/videos/1336190976712888
- Enviarem mensagens pelo facebook, instagram, twiter, email etc.
para seu deputado e vereador cobrando um posicionamento público
- Se conhecer outra forma de resistir a este retrocesso, compartilhe-a nos comentários abaixo.
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