Crédito da foto: Aline Leão
PIAGET, Jean. Seis estudos de psicologia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011.
Adrianna Nunez
De
acordo com Piaget (2011), para aprender, qualquer que seja o objeto a ser
assimilado, a criança e o adulto procuram incorporar este novo conhecimento aos
esquemas, às estruturas mentais que já possuem, fazendo inúmeras acomodações na
tentativa de incorporar este novo saber às estruturas já existentes, ajustando
o novo ao que já existe. A cada tentativa de ajuste há mudanças, alterações
nas estruturas que tentam incorporar o novo. E, quando o objeto é incorporado,
o sujeito que aprende passa por um período de equilibração, que ocorre quando o
novo vira parte integrante, constituindo assim um novo esquema, uma nova
estrutura mental, agora ampliada. Considerar este processo de aprendizagem,
quando um sujeito passa de um estado de menor para um estado de maior
conhecimento, é fundamental para pensarmos no ensino de concepção
construtivista.
Entretanto,
para pensá-lo não basta conhecer este movimento cognitivo, pois também se faz
necessário compreender o que desencadeia a vontade de se esforçar
cognitivamente para aprender algo novo.
Para explicar, Piaget defende a importância de olharmos para os
interesses e as necessidades:
O interesse é o prolongamento das necessidades. É a relação entre um objeto e uma necessidade, pois um objeto torna-se interessante na medida em que corresponde a uma necessidade. Assim sendo, o interesse é a orientação própria a todo ato de assimilação mental. Assimilar, mentalmente, é incorporar um objeto à atividade do sujeito, e esta relação de incorporação entre o objeto e o eu não é outra que o interesse no sentido mais direto do termo. (PIAGET, 2011, p.30).
Podemos
trazer a essência deste pensamento para a aprendizagem escolar, relacionando a
necessidade citada por Piaget com um ensino que faça sentido para as crianças,
uma vez que estas só aprendem, só mobilizam seus esquemas para compreender algo
desconhecido, quando existe uma necessidade real, quando há um sentido que
justifique um esforço intelectual.
Sendo
assim, como ensinar a partir da Psicogênese
da língua escrita? Basta conhecer as conceitualizações infantis referentes
à construção da escrita? O que fazer com este saber? Que conteúdos deve a
escola ensinar?
Compreender
e analisar o processo de reconstrução da língua escrita, identificando os
processos cognitivos envolvidos na aquisição do sistema, e entender como pensam
as crianças considerando a lógica encontrada em cada uma das etapas deste longo
processo que é de natureza conceitual, foi o grande objetivo da investigação
psicogenética. Ferreiro e Teberosky divulgaram o resultado de uma pesquisa
essencial à prática da alfabetização, numa perspectiva construtivista, porém em
nenhum momento as autoras apontaram maneiras de levar o resultado desta
descoberta para a sala de aula, a ponto de mostrar à escola e aos professores como
deveriam e devem ensinar. Surgem então alguns desafios que até
hoje precisam ser enfrentados: o que,
como e quando ensinar? Questões complexas cujas respostas são dadas pela
didática.
Na sua proposição tradicional, a escola [...] propõe um ingresso imediato ao código escrito, acreditando facilitar a tarefa se se desvendam, de saída, todos os mistérios. Porém, ao fazê-lo, ocorre que contribui para criar o mistério: as crianças não compreendem que estes ruídos que se fazem diante das letras têm algo a ver com a linguagem; não entendem que essas “frases para destravar a língua”, as quais passam por orações, tenham algo a ver com o que elas sabem sobre a linguagem; tudo se converte numa pura convenção irracional, numa, “dança das letras” que se combinam entre si de maneira incompreensível. Em algo no qual não se pode pensar. Entre as propostas metodológicas e as concepções infantis há uma distância que pode medir-se em termos do que a escola ensina e do que a criança aprende. O que a escola pretende ensinar nem sempre coincide com o que a criança consegue aprender. (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999, p. 290-291).
Uma vez que ficou posto que, a partir desta concepção de aprendizagem, não seria coerente conceber o sistema de escrita como um sistema de transcrição da fala, o ensino consequentemente foi alterado. É
válido dizer que, com o deslocamento das reflexões sobre quem ensina para quem aprende,
os professores e as instituições escolares permaneceram na época sem uma
compreensão exata de como fazer para garantir que a alfabetização acontecesse a
partir desta perspectiva, o que levou os educadores a interpretações errôneas
da Psicogênese da língua escrita e da
concepção construtivista de ensino e de aprendizagem, acreditando, por exemplo,
que o professor não precisaria pensar em um ensino sistemático, uma vez que as
crianças se tornariam alfabetizadas com o tempo, como se o único fator
responsável por isso fosse algo interno, que só dependesse do sujeito.
Apesar
de ainda hoje essas incompreensões existirem, é fato que com o desenvolvimento
das pesquisas sobre a didática da língua, muitas perguntas sobre o como ensinar já foram respondidas, o que
não significa que tenham desaparecido e que estejam compreendidas em sua
totalidade. No atual momento, o desafio e o investimento necessários têm sido
direcionados à formação dos professores que desejam atuar tendo como referência
a concepção construtivista de ensino e aprendizagem.
A
pesquisa psicogenética revelou que as crianças pensam e procuram compreender
este objeto de conhecimento que é o sistema de escrita, mesmo antes de entrar
na escola ou receber informações de adultos já alfabetizados e que realizam
estas ações através de materiais escritos produzidos socialmente em um contexto
de comunicação.
Portanto,
se as crianças se esforçam em compreender este mundo letrado anterior à escola,
é producente oferecermos aos nossos
educandos desafios intelectuais que dialoguem diretamente com seus interesses e
necessidades para que ocorra aprendizagem. Sendo assim, cabe à instituição escolar trazer para a sala
de aula situações de leitura e de escrita que ocorrem no meio social e
torná-las objeto de ensino, considerando agora tanto as conceitualizações
infantis a respeito da escrita e da leitura, como também as características dos
diversos tipos de textos e formas de comunicação social: as práticas de
linguagem. Trazer as práticas de linguagem para o ambiente escolar e torná-las objeto
de ensino é uma tarefa complexa, porém necessária, pois somente desta forma
garantiremos o sentido e manteremos o vínculo do que se faz dentro da escola
com o mundo em que a criança vive.
_________________________
Bibliografia de referência:
FERREIRO,
Emilia; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da
língua escrita. Porto Alegre: Artes médicas, 1999.
PIAGET, Jean. Seis estudos de psicologia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011.
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