A reinvenção da escola



Crédito da foto: Aline Leão


Giulianny Russo


Há poucos anos, as crianças portadoras de alguma deficiência física, bem como as com entraves na constituição psíquica não frequentavam a escola. Em algumas culturas eram, inclusive, atiradas de um precipício ou deixadas na floresta para que seres imaginários a levassem e cuidassem dela.

Com o avanço das pesquisas na saúde e na educação, junto à progressiva “humanização dos seres humanos”, passamos a enxergar estas crianças para além de suas limitações e ver sujeitos nestes corpos, ver potências e muitas possibilidades. A partir daí surgiram especialidades e instituições para que as ajudassem a se desenvolver e, vagarosamente, fomos avançando rumo à percepção de que esse “desenvolver” tem um forte ancoramento social, ou seja, que faz sentido implicar-se em se aprimorar se isso as coloca em relação, em contato com o outro, lhes possibilita viverem e se relacionarem com seus pares, transitarem e usufruirem dos aparatos sociais. Também fomos percebendo, enquanto profissionais e pesquisadores das áreas que atuam com crianças em situação de inclusão, a importância de estas terem outras referências de funcionamento, de subjetivação e, por isso, era importante a convivência com crianças ditas “normais”. 

Mais atualmente, temos ainda percebido a reciprocidade dessa relação, e mais, o quanto a inclusão pode ser re-fundante da própria instituição escolar. E o objetivo desta reflexão centra-se neste último aspecto¹.

Retomando a problemática introduzida em alguns artigos anteriores², a escola encontra-se em uma “sinuca de bico”: o jeito que está estruturada já não reflete mais as demandas de seu tempo, porém, não consegue se transformar, porque é melhor agarrar-se a uma identidade que não lhe cabe mais, a correr o risco (imaginário) de ficar sem nenhuma.
No entanto, desde a Lei 13.146, que coloca como direito às crianças em situação de inclusão o acesso à rede regular de ensino, as escolas têm progressivamente recebido cada vez mais alunos nas mais diversas condições físicas, emocionais e psíquicas. 
Um dos pressupostos que sustentam práticas escolares iguais o tempo todo para todos é de que o grupo de alunos é homogêneo, já que as crianças se encontram na mesma faixa etária. No entanto, ter na sala de aula um aluno que, seja por sua constituição física ou psíquica, explicita o tempo todo que “não somos todos igual”, exige que o professor se posicione: ou vai deliberadamente excluir essa criança (pois já não é mais possível ignorar as diferenças) ou olhar para ela, olhar para a estrutura escolar, física e curricular, e se lançar ao desafio de ir lapidando, retirando pedaços, construindo pontes, lixando as ranhuras, modificando a escola de modo que seu formato contemple, ou seja flexível o suficiente para contemplar, a todos. 

Neste sentido, se nos artigos anteriores relatei que o cenário escolar não me permitia enxergar a menor possibilidade de transformação da escola, que fosse protagonizada por ela mesma, ao enfrentar o desafio de olhar de frente para a problemática da inclusão escolar, me deparei com algo que para mim se configurou com o que tenho chamado de “a salvação da escola”. 

Isto porque, a escola que tem se permitido olhar para si mesma, a partir das barreiras enfrentadas por seus alunos em situação de inclusão, colocando a inclusão como centro de seu projeto educativo, se deparará com desafios, mas também com a oportunidade de olhar seu currículo, suas estruturas físicas, seus modos de organização e as relações estabelecidas entre todos da comunidade escolar (alunos, professores, funcionários e família). Dessa forma, dia-a-dia, se reinventando, artesanalmente, se reconstruindo desde dentro e, portanto, de forma reflexiva, humanizada e “includente”.


1 - Para aprofundar sobre as contribuições da criança em situação de inclusão, consultar o artigo Marinho, G. R. (2019) “Contribuições de um aluno em situação de inclusão: para os outros alunos, para a escola, para a comunidade, para os professores – no prelo.

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