“Escola real, possível e a necessária”: antes, durante e após a pandemia.


No 1º Bate-papo do Reescritas, Débora Vaz nos presentou com uma belíssima apresentação, compartilhando suas reflexões sobre o cenário escolar, no qual o contexto da pandemia explicita e evidencia antigas feridas da escola[1]:

Essa questão sobre o que a gente tem vivido na escola, para mim, ela não começa com a pandemia (...) há algum tempo a escola estava sendo colocada em xeque: será que é necessária mesmo? Será que a gente podia viver sem escola? Será que o homeschooling é uma solução?

 

(...) faz tempo que a gente tá vivendo uma crise sobre a importância da escola na sociedade e Masschelein e Simons (2013) falam que a escola, como instituição social pode deixar de existir (...) mas que aqueles que amam, como diz a Hannah Arendt, que amam a humanidade e amam o mundo talvez sejam os responsáveis por produzir todo dia a reinvenção da escola.




Livro         Entrevista

Débora diz que para “defender a escola, inclusive em tempos de pandemia a gente precisa saber o que que é a função principal dela” trazendo o conceito da escola “como agencia civilizatória em larga escala”, presente no artigo do professor Fernando Almeida e da professora Maria da Graça Moreira, da PUC-SP.

A escola sendo a primeira experiência em que as crianças terão, fora da experiência familiar, uma rotina bastante organizada para aprender a viver a diversidade, que a criança vai à escola para enfrentar o conhecimento da diversidade e na diversidade, por isso, não deveríamos tentar transformar a escola em uma experiência uniformizadora.[2]



Neste mesmo artigo Almeida e Moreira (2018) versam sobre a “centralidade epistemológica do conhecimento escolar que cabe à finalidade da escola e à sua coerente competência como agência social de formação do conhecimento de gerações” (p.594)

[2] Confira no Reescritas o artigo: Você sabe por que a escola existe?

Débora pontua sobre a importância do olhar crítico, reflexivo e problematizador da prática escolar, que precisamos defender a escola da ideia de “uma escola pra felicidade”, na qual as

as pessoas não entram em conflitos em relação a si mesmos, não se colocam perguntas, que não passa por um conflito cognitivo (...) e que aprende a ficar forte a partir da exigência.

 E declarou que a escola que ela defende é:

  1. Uma escola que forma para a civilidade em larga escala
  2. Uma escola que tem um compromisso com a formação do conhecimento de gerações e, portanto, é exigente, tem um currículo bem cuidado
  3. Uma escola responsável em formar para a capacidade de pensar e pesquisar
  4. Um lugar de aprender a se humanizar
  5. Escola do coletivo
  6. Um dispositivo para transmitir mundos e renová-los.

Além de Almeida e Moreira (2018), Débora colhe em LARROSA (2018) a inspiração para compor a escola que defende e almeja.







Com isso, Débora nos convoca a pensar:


E traz três elementos que considera estruturantes, sobre os quais devemos nos ater, estudar, ter clareza, solidez, para conseguirmos a construir a defesa da escola e a escola que defendemos, são eles:

 

1.    Clareza sobre o que chamamos de cultura digital

Que é diferente de tecnologia, de recursos e aparatos tecnológicos, que não se trata da tecnologia pela tecnologia, mas sim que os recursos e ferramentas estão a serviço de ensinar aos alunos aquilo que não aprenderiam fora da escola: a se tornarem usuários críticos – tal e qual pensamos em relação aos propósitos da leitura e da escrita. 

Neste aspecto, Débora indica o livro David Buckingham “Crescer nas eras das mídias eletrônicas” e “Más allá de la tecnologia”[3]


2. Relação com às famílias:

Refere como um ponto de atenção o fato de o atendimento às famílias na rede privada ter se especializado demais, com a criação de muitas hierarquias (coordenador, orientador), individualizando muito as conversas. Atendimentos individuais que muitas vezes sem a presença dos professores.

Pontua também a necessidade, enquanto educadores, de resistirmos a virarmos “uma prestadora de serviços e atendimentos (...) que não é culpa e responsabilidade dos pais, é de como a gente se movimenta dentro do nosso fazer para dizer porquê e qual é o nosso valor e porque a gente existe e qual a função da instituição escolar.

“Esta impressão da escola devassada não é de hoje”, pais, mães e profissionais das mais diversas áreas a anos vêm dizendo como a escola deve funcionar. É importante termos ouvidos para escutar estas diferentes vozes, mas é muito diferente de se dobrar as prescrições externas[4]

O contexto de pandemia faz com que ao estarmos dentro da sala da casa de cada um, que esta interferência seja mais constante e em tempo real e, novamente, a escola não pode se calar sobre isso. A pandemia traz um contexto para que se possa lidar com esta questão, conversando abertamente com as famílias, criando canais para atender as questões apresentadas pela família, mas propondo limites. “os educadores estão sendo chamados a uma tarefa que é a da maturidade do argumento: por quê não.” Escutando, mas podendo contrapor o posicionamento familiar apresentando outras variáveis, reivindicando o saber que é da ordem do pedagógico.

Débora toca também em (mais) um ponto fundamental que é a necessidade da sustentação téorica dos argumentos propostos às famílias: o posicionamento reivindicado não é pela autoridade, mas sim legitimado por ser fruto de reflexão e estudo.

[4] Confira no Reescritas: Prescrições para o professorEducação: uma terra de todo mundo ou uma terra de ninguém?

2. Em relação à didática[5]:


Enfatiza a importância de o projeto estar ancorado nos princípios didáticos e não somente nas tecnologias a serem utilizadas: “Como os meninos aprendem numa situação como esta? Como podemos variar as estratégias metodológicas? Como a gente pode ter escuta? Não abandonar a reflexão sobre as didáticas e os recursos e estratégias que estão por traz das escolhas técnicas que a gente vem usando”.

É o conhecimento didático, das didáticas específicas, ancorado no projeto escolar, na perspectiva de aprendizagem que a escola sustenta, é o que possibilitará um posicionamento coerente tanto em relação às práticas desenvolvidas com as crianças no uso da tecnologia, quanto a possibilidade de resposta às famílias e à comunidade em geral.

[5] Confira no Reescritas:Escola sem concepção consistente é como navegar sem bússola!, A presença do professor e o amparo no processo de aprendizagemSituações didáticas muito fáceis ou muito difíceis. Qual a medida?

    

Na 2ª parte do encontro, sobre o futuro que Débora vislumbra para a escola, ela enfatiza que “boa parte dos problemas que estamos enfrentando, nós (da escola particular) participamos da produção”, pois, citando Masschelein e Simons (2013, p.157), participamos de uma produção que “reduz a escola a uma instituição prestadora de serviços para o avanço da aprendizagem e, portanto, para satisfazer as necessidades individuais de aprendizagem e a aperfeiçoar resultados individuais de aprendizagem”.

E novamente, volta a nos convocar à reflexão, desta vez sobre a naturalização dos formatos escolares, que vamos perpetuando e reproduzindo como se fossem inerentes à própria escola, de forma acrítica, superficial e que torna difícil, senão inviável, ter substância para defender a escola:



Em função do quê estavam as diversas ações e fazeres escolares: da fidelização das famílias/clientes ou em função de “criar vínculos com o objeto - da gente preferido - que é o amor ao mundo, ao conhecimento e às pessoas?”
Se por um lado a pandemia desvelou muito da estrutura enferrujada da escola, por outro “despertou uma força muito grande, que foi o aumento da quantidade de encontros entre educadores para pensar juntos o momento”
O momento nos convoca a repensar práticas e nos tira a possibilidade de automatismo, que a habitualidade do contexto presencial favorecia. Demanda reflexão, demanda estudo, demanda conversa, demanda ouvir o aluno, os contextos específicos... Toda esta potencialidade do momento não pode se reduzir a técnica ou a tecnologia e este é o combinado que Débora propõe:


Por isso, a importância, de sempre, mas mais do que nunca, das “comunidades, praças e lugares de encontro entre educadores para não deixar que os aspectos técnicos ocupem nossa capacidade reflexiva neste momento.

 

Por estarmos firmemente alinhadas com esta perspectiva é que convidamos você a participar da comunidade de estudo, reflexão e problematização a que se propõe ser o Reescritas!

Siga, curta, comente, compartilhe nosso conteúdo e convide mais educadores a fazerem parte da nossa comunidade!




Agradecemos o apoio tecnológico e operacional dos esposos Rodrigo e André; de Marco Antonio Iarussi e Gabriel Manzzaro pelo suporte e consultoria.


Referências bibliográficas:

Buckingham, David. Crescer nas eras das mídias eletrônicas. São Paulo, Edições Loyola, 2007.

Buckingham, David. Más allá de la tecnología: aprendizaje infantil en la era digital. Buenos Aires, Manantial, 2008.

Masschelein, Jan, Simons, Maarten. Em defesa da escola: uma questão pública.  2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013.

Almeida, Fernando José de; Silva, Maria da Graça Moreira da. Currículo e conhecimento escolar como mediadores epistemológicos do projeto de nação e de cidadania. Revista E-Curriculum, [S.l.], v. 16, n. 3, p. 594-620, out. 2018. ISSN 1809-3876. Disponível em: <https://revistas.pucsp.br/curriculum/article/view/38034>. Acesso em: 21 ago. 2020. doi:https://doi.org/10.23925/1809-3876.2018v16i3p594-620.

Larossa, Jorge. Esperando não se sabe o que: sobre o ofício de professor. São Paulo, Editora Autêntica, 2018.

Postar um comentário

0 Comentários